O
som dos chinelos sendo arrastados, levando alguma poeira ao desbotado roupão.
Faz um café e acende um cigarro. Está tudo escuro, apenas algumas frestas de
luz entram através das velhas janelas de madeira. O ser destruído pelo
cotidiano está aqui, tentando sobreviver. O café fica pronto, ele o retira e
mais uma vez o som dos chinelos arrastados se repetem. A desmotivação ao redor
era extrema. O apartamento bagunçado, a pilha de louças sujas, a cama bagunçada,
e o pó se acumulando. De alguma forma, ele estava doente. Mas não sabia o que
era. Não interessava saber. E não interessava sair lá fora, onde habitam os
monstros.
Mas
ele se arrasta para uma das janelas da sala. Era interessante olhar para fora.
Devia ser o que, umas sete ou oito horas da manhã. A movimentação na rua era
constante, e a cidade ganhava sua vida. O sol, lá fora, brilhava no céu azul.
Brilhava sobre todas as pessoas, possivelmente felizes. Andando para lá e para
cá, tentando encontrar algum sentido para a vida, tentando sobreviver. Ou
correndo atrás de algum sonho.
Ele
sorri ao pensar na última alternativa. Ao mesmo tempo, uma lágrima lhe escorre
do olho. Uma vez ele teve sonhos. Sonhos grandes e ambiciosos. Saiu de uma
cidade praticamente do interior, rumo à cidade grande, em busca dos seus
sonhos. Fez uma excelente faculdade. Queria ter um excelente emprego. Queria
trabalhar também com música, e ter uma mulher que ele ama ao seu lado. Porém
todas suas oportunidades escorregaram de suas mãos, tomou inúmeras facadas
pelas costas e bem, só sobrou este espírito, agora cheio de frio, ódio e
amargura. Como gostaria de estar em meio à multidão, se destacando, sendo iluminado
pelo sol. Mas isso é impossível. Ao menos neste estado.
Deveria
haver vários assim, pensou ele. Não deveria ser o único que foi violentado pela
vida e agora vive de juntar os cacos que sobraram, pensando onde ela se perdeu.
Seus amigos se foram. Sua família se foi. Não fala com eles há décadas. E sua
esperança de melhora se foi também.
O
movimento da rua não parava. Do nada surgiu um palhaço na rua, para divertir
algumas pessoas, principalmente mulheres acompanhadas de crianças, que riam e
tiravam fotos. Queria ser ao menos este palhaço. Pelo menos deve ser divertido
para o palhaço viver assim, transmitindo algo divertido às pessoas normais. As
pessoas normais necessitam de humor, neste triste mundo que vivem. Não são como
ele, que necessitam de mais métodos para ser feliz vivendo na escuridão.
De
repente ele se cansou de ver a rua. Mais uma ponta de cigarro se acumulava na
janela, enquanto o café acabava. A rua só piorava seu estado de espírito.
Deveria agora se centrar em fazer alguma coisa. Deveria tentar em meio aquele
bagunçado apartamento, achar um sentido para a sua vida.
Mas
não conseguiu. Simplesmente não fez nada e ficou assistindo TV, desencorajado
em mudar as coisas, até o sono lhe convidar para a cama. Talvez nem comido
direito ele tenha.
Então
ele acorda no meio da noite, assustado. É sempre assim. Nunca acorda até que
estivesse completamente escuro. Até que nenhuma luz entrasse o apartamento. Na
verdade, ainda tinha luz. Artificial, vinda de faróis e luzes que fodiam a
cidade. Mas aquilo era antinatural. Portanto, apenas desconsiderava a luz e o
barulho de buzinas e tcharam: Estava na mais completa escuridão. Pronto para
refletir sobre tudo aquilo que o atormentava. Milhões de vezes fazia isso, sem
chegar a nenhum resultado.
Levantou-se
e tentou se animar. Mais café e cigarro, algumas voltas pela casa, ligar e
desligar a TV, ouvir algumas músicas alegres e outras tristes, qualquer forma
de distração. Nada funcionou.
Então
ele olhou pela janela. Viu o céu escuro e estrelado. Então resolveu sair de
casa, e caminhar sem rumo. E saiu. Caminhou por inúmeras ruas. A noite dava um
novo significado à vida. Era tudo quieto, gélido, escuro. Não havia problemas,
nem patrões, e nem cobranças. Isso o empolgou a continuar caminhando por ruas e
becos, sem mais se preocupar com seus tormentos.
Chegou
até o viaduto, e olhou para baixo. Ainda havia carros passando rápido lá
embaixo. Ali ao menos a agitação chegou. Todas as cores de carros, faróis,
passando por sua frente em um piscar de olhos. Pensou em muitas coisas naquele
momento. Sem se dar conta, uma das pernas estava pendulando pelo ar, e a outra
estava no chão do viaduto. E se ele se jogasse? Eis o que poderia ser a solução
de tudo: Se entregar ao sono eterno. Seria a noite inanimada. Não haveria mais
preocupações e problemas, e teria uma morada que ninguém o despejaria. Seria a
solução ideal. Era tentadora.

Então
ele resolveu caminhar de volta, fazendo um novo caminho. Sabia o que tinha que
fazer, para que tudo entrasse nos eixos. Uma luz que o deu uma fantástica
ideia.
A
vida agora tinha um novo significado.
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