domingo, 10 de junho de 2012

Quietude

O som dos chinelos sendo arrastados, levando alguma poeira ao desbotado roupão. Faz um café e acende um cigarro. Está tudo escuro, apenas algumas frestas de luz entram através das velhas janelas de madeira. O ser destruído pelo cotidiano está aqui, tentando sobreviver. O café fica pronto, ele o retira e mais uma vez o som dos chinelos arrastados se repetem. A desmotivação ao redor era extrema. O apartamento bagunçado, a pilha de louças sujas, a cama bagunçada, e o pó se acumulando. De alguma forma, ele estava doente. Mas não sabia o que era. Não interessava saber. E não interessava sair lá fora, onde habitam os monstros.
Mas ele se arrasta para uma das janelas da sala. Era interessante olhar para fora. Devia ser o que, umas sete ou oito horas da manhã. A movimentação na rua era constante, e a cidade ganhava sua vida. O sol, lá fora, brilhava no céu azul. Brilhava sobre todas as pessoas, possivelmente felizes. Andando para lá e para cá, tentando encontrar algum sentido para a vida, tentando sobreviver. Ou correndo atrás de algum sonho.
Ele sorri ao pensar na última alternativa. Ao mesmo tempo, uma lágrima lhe escorre do olho. Uma vez ele teve sonhos. Sonhos grandes e ambiciosos. Saiu de uma cidade praticamente do interior, rumo à cidade grande, em busca dos seus sonhos. Fez uma excelente faculdade. Queria ter um excelente emprego. Queria trabalhar também com música, e ter uma mulher que ele ama ao seu lado. Porém todas suas oportunidades escorregaram de suas mãos, tomou inúmeras facadas pelas costas e bem, só sobrou este espírito, agora cheio de frio, ódio e amargura. Como gostaria de estar em meio à multidão, se destacando, sendo iluminado pelo sol. Mas isso é impossível. Ao menos neste estado.
Deveria haver vários assim, pensou ele. Não deveria ser o único que foi violentado pela vida e agora vive de juntar os cacos que sobraram, pensando onde ela se perdeu. Seus amigos se foram. Sua família se foi. Não fala com eles há décadas. E sua esperança de melhora se foi também.
O movimento da rua não parava. Do nada surgiu um palhaço na rua, para divertir algumas pessoas, principalmente mulheres acompanhadas de crianças, que riam e tiravam fotos. Queria ser ao menos este palhaço. Pelo menos deve ser divertido para o palhaço viver assim, transmitindo algo divertido às pessoas normais. As pessoas normais necessitam de humor, neste triste mundo que vivem. Não são como ele, que necessitam de mais métodos para ser feliz vivendo na escuridão.
De repente ele se cansou de ver a rua. Mais uma ponta de cigarro se acumulava na janela, enquanto o café acabava. A rua só piorava seu estado de espírito. Deveria agora se centrar em fazer alguma coisa. Deveria tentar em meio aquele bagunçado apartamento, achar um sentido para a sua vida.
Mas não conseguiu. Simplesmente não fez nada e ficou assistindo TV, desencorajado em mudar as coisas, até o sono lhe convidar para a cama. Talvez nem comido direito ele tenha.
Então ele acorda no meio da noite, assustado. É sempre assim. Nunca acorda até que estivesse completamente escuro. Até que nenhuma luz entrasse o apartamento. Na verdade, ainda tinha luz. Artificial, vinda de faróis e luzes que fodiam a cidade. Mas aquilo era antinatural. Portanto, apenas desconsiderava a luz e o barulho de buzinas e tcharam: Estava na mais completa escuridão. Pronto para refletir sobre tudo aquilo que o atormentava. Milhões de vezes fazia isso, sem chegar a nenhum resultado.
Levantou-se e tentou se animar. Mais café e cigarro, algumas voltas pela casa, ligar e desligar a TV, ouvir algumas músicas alegres e outras tristes, qualquer forma de distração. Nada funcionou.
Então ele olhou pela janela. Viu o céu escuro e estrelado. Então resolveu sair de casa, e caminhar sem rumo. E saiu. Caminhou por inúmeras ruas. A noite dava um novo significado à vida. Era tudo quieto, gélido, escuro. Não havia problemas, nem patrões, e nem cobranças. Isso o empolgou a continuar caminhando por ruas e becos, sem mais se preocupar com seus tormentos.
Chegou até o viaduto, e olhou para baixo. Ainda havia carros passando rápido lá embaixo. Ali ao menos a agitação chegou. Todas as cores de carros, faróis, passando por sua frente em um piscar de olhos. Pensou em muitas coisas naquele momento. Sem se dar conta, uma das pernas estava pendulando pelo ar, e a outra estava no chão do viaduto. E se ele se jogasse? Eis o que poderia ser a solução de tudo: Se entregar ao sono eterno. Seria a noite inanimada. Não haveria mais preocupações e problemas, e teria uma morada que ninguém o despejaria. Seria a solução ideal. Era tentadora.
Mas ele resolveu colocar os pés no chão do viaduto. Terminou o cigarro e olhou para o lado. Lá longe, na cidade, existia alguma chance de se salvar. Mesmo debaixo da violência e do mau-cheiro, existia alguma oportunidade de reestruturar sua vida.
Então ele resolveu caminhar de volta, fazendo um novo caminho. Sabia o que tinha que fazer, para que tudo entrasse nos eixos. Uma luz que o deu uma fantástica ideia.
A vida agora tinha um novo significado.

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